Nove Espelhos de Alice e [In]Versões que encontramos lá é um projeto de publicação impressa e digital que pretende reunir nove narrativas gráficas produzidas a partir da leitura e dos estudos realizados no Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais promovido pelo Instituto de Artes da UFRGS.
O curso está sendo ministrado por mim, Professora Paula Mastroberti, que além de escritora e artista visual, é quadrinista, autora de obras como Adormecida: cem anos para sempre e Zwei Rosen in Berlin, conto gráfico que compõe a ontologia Osmose: o Brasil e a Alemanha em quadrinhos. Além disso, participo do projeto coletivo Inverna, uma publicação composta apenas de mulheres autoras de quadrinhos do Brasil.
O Curso de Extensão veio atender a uma demanda dos alunos do Curso de Artes Visuais - Licenciatura e Bacharelado da UFRGS, além de estudantes e profissionais das áreas como a Comunicação, o Design e a Letras, entre outros interessados em desenvolver a linguagem dos quadrinhos. Para a primeira edição, desenvolvi, com apoio de uma bolsista e monitora de extensão, Bruna Cavalheiro Müller, uma metodologia de integração entre um texto literário e a linguagem gráfica-visual, objetivando não a mera adaptação literária, mas a recriação poética: sem desprender-se do texto de origem, é nosso interesse evidenciar suas novas possibilidades semânticas.
Nove Espelhos de Alice e [In]Versões que encontramos lá parte da leitura e estudos da obra de Lewis Carroll, Alice através do espelho e que ela encontrou lá [Through the looking-glass and what Alice founds there]. Os estudos envolveram atividades recriativas da obra em produção de textos e artes e agora parte para sua meta final: desenvolver cada um dos 12 capítulos do texto original em um episódio recriativo em quadrinhos, para publicação impressa e digital (e-book).
Alice através do espelho e que ela encontrou lá é o segundo volume do autor britânico Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido como Lewis Carroll, escrito em 1871, 6 anos depois do mais conhecido As aventuras de Alice no País das Maravilhas [Alice's adventures in wonderland]. As novas aventuras da heroína buscam inspiração no jogo de xadrez, e apresentam um jogo linguístico rico em paradoxos e referências bem humoradas à cultura e sociedade da época.
Desta vez, Alice, após ter atravessado o espelho em sua casa, deve percorrer um imenso mundo-jogo, recortado por riachos e moitas, povoado por personagens-peças, que a auxiliarão ou não em seus movimentos até a oitava casa, para finalmente tornar-se uma Rainha do Xadrez.
Por ter o espelho como portal de acesso ao lúdico, suas inúmeras figuras e ações apresentam-se motivados pela ideia de espelhamento, de opostos, de inversões. Essas ideias atravessam a narrativa-jogo o tempo todo, a começar pela oposição vermelho-branco presente nas peças e retângulos do tabuleiro. Foram principalmente esses elementos - o jogo de xadrez e o espelho - que fundamentaram os conceitos geradores da nossa produção recriativa.
A história está dividida em 12 capítulos, sendo os três últimos bastante curtos (o décimo e o décimo-primeiro compostos de uma frase, ou nem isso). Cada capítulo-episódio está sendo desenvolvido pelos 19 alunos do curso, divididos em 8 duplas de trabalho e 1 trio. Uma das duplas responsabilizou-se pelo primeiro capítulo e pelos três últimos, não só em virtude da extensão narrativa mais curta, mas também para cuidar da amarração geral da obra recriativa. Todos os capítulos estão sendo recriados com base nas referências textuais, em estilo livre e pessoal. Ou seja: cada grupo apresentará um conceito para personagens e estilos diversos, o que só tende a enriquecer a obra e a instigar ainda mais a leitura.
Os grupos ainda contam com duas equipes transversais de apoio formadas, cada uma, por 3 participantes que comprovaram maior potencial cooperativo ao longo do curso. Ambas as equipes, cujos componentes além de ativos em suas próprias duplas, devem auxiliar na orientação dos demais quanto à escritura de roteiros (Equipe Transversal de Apoio aos Roteiros) e finalização das artes a serem impressas (Equipe Transversal de Apoio às Artes). Eles também colaboram na produção do layout geral da futura publicação e opinam sobre o projeto em geral, como uma comissão editorial.
Esta ação ainda conta com a colaboração voluntária de dois alunos do Bacharelado e Licenciatura, Luiz Alberto do Canto Pivetta e Gabriel Talian da Silva, além da Bolsista de Extensão já citada. Também já recebeu visitas de autores como Ana Luiza Koehler e Rafael Coutinho, e conta com a presença já agendada da pesquisadora Maria Clara Carneiro.
Assim, essa Extensão pretende cumprir seus três imediatos objetivos: a produção artística, a leitura investigativa e reflexiva e o ensino, este último repassado no modelo metodológico desenvolvido e nas atividades de encontro e debate. A longo prazo, esta Extensão prevê a possibilidade de abrir um território permanente em âmbito acadêmico para estudos e produções em linguagens gráficas, promovendo a formação contínua de estudantes, educadores e profissionais.
Justificativa
Acreditamos no valor do projeto com base nas seguintes justificativas:
1) A linguagem dos quadrinhos é cada vez mais considerada, em sua especificidade, uma expressão de reconhecido valor artístico e poético, como tem comprovado não apenas a crítica especializada, mas os inúmeros trabalhos e eventos acadêmicos reunidos em torno desse objeto em todo o mundo;
2) O valor cultural e artístico da obra de Lewis Carroll transcende os limites da língua e da nacionalidade, e constitui um patrimônio cultural de interesse de todos os apreciadores da arte literária;
3) Embora o universo carrollianiano seja bem conhecido dos brasileiros, percebe-se que, entre adaptações e traduções, há uma lacuna no que se refere a uma apropriação da obra dentro dos contextos culturais brasileiros; em outras palavras, desejamos propor aqui uma leitura nossa, com nossas marcas (lembrando que temos por exemplo no Japão versões de apropriação das "Alices"em versão mangá e diversas outras apropriações filmográficas em vários países de todo o mundo);
4) Dentro disso, justificamos o processo recriativo com a finalidade de apropriação do universo "Alice" como forma de produzir um intertexto não apenas discursivo ou semiótico, mas sociocultural;
5) Longe de desrespeitar a obra de Carroll - que ademais é patrimônio público - desejamos, através da recriação poética, homenagear a obra e o autor, e destacar justamente a suas qualidades semânticas, abertas ao imaginário universal.
6) Por fim, ao optarmos por "Alice Através do Espelho", pensamos em divulgar justamente o volume menos conhecido e menos lido da série de aventuras da personagem, cientes de que "As Aventuras de Alice no País das Maravilhas" possui maior penetração via traduções e adaptações em nosso país.
Somadas a essas justificativas, destaco que o Curso de Extensão Quadrinhos e Arte Sequencial, do qual este projeto deriva, está inserido um campo de pesquisa acadêmica de caráter interdisciplinar - ao reunir alunos de cursos e áreas como Artes Visuais, Letras e Comunicação -, e que tem procurado justamente desenvolver e promover a linguagem dos quadrinhos como um saber científico. Seu produto, a obra que aqui se propõe em projeto, seria a coroação dos nossos esforços no sentido de reafirmar o compromisso da academia e da pesquisa científica com as linguagens das poéticas visuais, em especial a linguagem dos quadrinhos como um dos seus braços mais populares.
Paula Mastroberti
Profa. do Depto. de Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS
Coordenadora do Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais: Produção, Leitura e Ensino.
Coordenadora do Projeto Os Nove Espelhos de Alice e [In]Versões que Encontramos Lá
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