Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais

Registros da produção em quadrinhos realizadas por um grupo de 19 alunos do Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais ministrado por Paula Mastroberti, artista gráfica e escritora, professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os trabalhos são desenvolvidos a partir da leitura da obra Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá (Through the looking glass and what Alice found there), de Lewis Carroll. Nosso objetivo: promover e divulgar os processos e a publicação coletiva de uma narrativa gráfica em recriação livre.

O ESPELHO ORIGINAL

Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido como Lewis Carroll, era professor de matemática e apreciava muito brincar com a lógica da linguagem, criando trocadilhos, neologismos e aglutinações. Muito dos significados obscuros de suas histórias devem-se a referências feitas à cultura da época, praticamente ininteligíveis aos dias de hoje. Contudo, edições como Annotated Alice, de Martin Gardner, tem procurado elucidar, desde sua primeira edição, alguns dos enigmas existentes no universo reunido em torno de sua principal personagem, Alice.

Carroll também era poeta. Nos dois volumes de Alice, versos justapõem-se a uma prosa já semanticamente carregada por si mesma, produzindo bolsas narrativas eventualmente excluídas nas adaptações, em nome do que se supõe ser mais confortável para o entendimento infantil. Through de looking-glass, ou Alice através do espelho, como em geral traduzimos no Brasil, é, por isso, a menos atraente ao mercado editorial, pois supera o primeiro título, Alice's adventures in Wonderland (Alice no País das Maravilhas) em ousadia linguística.

Poderia-se pensar que Alice através do espelho não passa de uma mera continuação das aventuras que a antecederam. É comum, na contemporaneidade, dar seguimento a uma obra de sucesso iterando sua fórmula básica, de modo a fidelizar o grande público. Porém aqui não se trata disso: para o segundo livro, Carroll partiu de uma estratégia diferente e muito mais intrigante: todo o discurso  encontra-se fortemente estruturado no jogo de xadrez e na ideia de reflexo especular. Cada personagem - até mesmo Alice - realiza seu percurso seguindo as marcas de um tabuleiro (It's a great huge game of chess that's being played - all over the world, diz a heroína, em certo momento). Além disso, o espelho, como portal para o mundo do xadrez, produz um efeito não só sobre as ações de seus figurantes, mas também sobre o seu modo de raciocinar: assim, todo o texto é atravessado por uma infinidade de paradoxos bem humorados, resultantes de inversões especulares.

A segunda aventura de Alice inicia quando a menina atravessa o espelho existente na sala de sua casa para deparar-se com um mundo em que vivem e circulam as mais estranhas criaturas derivadas das peças do xadrez. Uma vez participante do jogo, ela será obrigada a seguir suas regras, se quiser tornar-se uma Rainha. Cada capítulo ou episódio se passa numa casa do tabuleiro; em cada casa, Alice depara-se com novos personagens, que ora a auxiliam, ora a atrapalham em seu percurso. No final, resta a pergunta existencial: quem afinal sonhou? Teria Alice sonhado ou seria um sonho do Rei?

O tom que sobressai em Alice através do espelho é um pouco mais melancólico do que na obra anterior. Preocupações com o passar do tempo e a proximidade da morte emergem aqui e ali, nas entrelinhas da prosa bem humorada. Por isso, embora tenha certamente divertido as irmãs Liddle e suas amigas na época, uma vez decantado o frescor das alusões ao cotidiano vitoriano bem conhecido das pequenas amigas, a leitura desta história não nos parece tão digestiva à infância contemporânea.

Ao optar pelo segundo volume das aventuras de Alice, tivemos por objetivo principal realçar a riqueza de sua linguagem, através das possibilidades que ela oferece à livre apropriação. Em nome deste propósito, nos despreocupamos com faixas etárias, mas deixamos a imaginação fluir livremente, conscientes dos referenciais culturais que nos embebem. Cada autor de Os 9 espelhos de Alice teve que buscar, dentro de si e de suas referências imaginárias e culturais, um novo reflexo.

Afinal, quantas Alices poderão ser encontradas? Segundo os autores deste projeto, a contagem é infinita.

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