"Perdão aos cus" ele dizia, "mas você é uma cuzona, garota!" Desacostumada com a má linguagem do Ovo-Falante-Que-Já-Não-Se-Importava, Alice limitou-se a dilatar suas pálpebras o máximo que pode, enquanto levava a mão à boca. Debochando, o Ovo-Falante-Que-Já-Não-Se-Importava prosseguia. "A princesa conhece a palavra mas repudia o uso? Pois então escute: cu, merda, porra, caralho, boceta...""Chega!" gritava a pequena, dada aos recatos vitorianos. "Chega ou meus ouvidos explodirão!". De vez em quando, Alice olhava para ver se a boca do Ovo-Falante-Que-Já-Não-Se-Importava parara de se mexer, em silêncio, antes de tirar os dedos indicadores de dentro das orelhas."É muito irritante!", disse o Ovo-Falante-Que-Já-Não-Se-Importava*."Vem ao meu muro como se, por desventura, eu fosse obrigado a lhe bem receber!", prosseguiu o Ovo-Qu... Humpty Dumpty! "Vês o que se inscreve nos tijolos que compõe meu assento-de-ovo?" disse apontando para uma pichação em preto fosco onde se lia, em letras garrafais que escorriam pelo muro, "Boca de Esgoto". "Vê? Não sou obrigado a lhe poupar dos insultos que aprendi com a vida! Se existo para honrar um título dado à mim pelo próprio Rei, por que diabos deveria me importar se os seus ouvidos irão explodir? De fato ligo tão pouco para você que, mesmo que eles explodissem, ainda enxergaria na minha grande cara a expressão da mais prazerosa gargalhada. Daquelas que guardo para momentos específicos quando alguém que desprezo se fode e eu posso assistir!"."E por que me desprezas, se acabaste de me conhecer?", indagou Alice."Por essa tua mania de conjugar os verbos de forma correta, para começar! É muito irritante! Pedante em cada fio de cabelo!", respondia Humpty Dumpty com cara de nojo."E por que falas tantos palavrões?", rebateu Alice rapidamente, pensando que uma pergunta logo após a outra poderiam pôr fim ao repertório odioso de seu acompanhante.
Alice ia se afastando, decidida a ignorar o Ovo-Mal-Educado.
Tentando esquecer cada sentença dita por Humpty Dumpty, Alice imaginava como seria a gema da criatura. Em sua imundície, deveria sobrar qualquer resquício de educação; em algum lugar deveria se esconder um bom anfitrião. Antes de pegar a ponte que atravessava um pequeno riacho correndo para a direita, a garota notou uma placa que se virava para de onde vinha; entalhada nas ripas de madeira enegrecidas, era possível ler "Humpty Dumpty: Aquele-Que-Só-Diz-O-Que-Já-Sabemos".
"Porque é assim que minha boca gesticula quando fala com crianças de merda, como tu!", disse Humpty Dumpty, provando que o pensamento de Alice não passava de nada menos que nada.
"Não cheguei nem mesmo a falar de seus pais! Volte aqui, criaturinha ridícula!", gritou Humpty Dumpty enquanto ficava de pé. "Volte, que lhe digo quem é mesmo o corno do teu pai!"
* Para que se economize na escrita e ninguém se irrite com a leitura, abreviarei o nome "Ovo-Falante-Que-Já-Não-Se-Importava" para as siglas H.U.M.P.T.Y. D.U.M.P.T.Y, e para que se economize na escrita e ninguém se irrite com a leitura, abreviarei as siglas H.U.M.P.T.Y. D.U.M.P.T.Y. para a sua forma que demora menos a escrever e irrita menos aqueles que porventura possam ter de redigir este texto: Humpty Dumpty.
Autoria: Bruno Dorneles (Licenciado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Graduado em Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra - Portugal. Pesquisador interessado em Cinema Queer, Cinema de Animação e Documental, com ênfase na recepção e nos intertextos políticos da linguagem cinematográfica.)